segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A Rainha da Neve




“Escolhi de facto abrir o romance mesmo antes de o povo americano (por uma pequena e duvidosa maioria, mas ainda assim) reeleger o homem que, durante o seu primeiro mandato, destruíra a economia e declarara guerra ao país errado, e depois pus o livro a acabar quatro anos mais tarde, quando o povo americano elegeu um afro-americano de óbvia inteligência e força moral na verdade, o oposto absoluto de G.W. Bush. Suspeito que as personagens teriam sentimentos contraditórios quando aos seis anos de Obama na presidência. Ele fez coisas inequivocamente boas. Contribuiu para avanços essenciais nos direitos dos homossexuais, das mulheres, das populações negras. Ele avançou (mesmo se com resultados ainda não muito sólidos) co um programa nacional de cuidados de saúde. Por outro lado, a prisão de Guantánamo continua a funcionar. Há dornes a aniquilar festas de casamento no Paquistão. A National Security Administration foi apanhada a espiar cidadãos americanos. Mas também é verdade que ele encontrou obstáculos absurdos por parte do Senado, muitas vezes sem outra razão que não seja a de desgastar, por pura maldade, a fé dos americanos em Obama. Ou seja, ser Presidente dos EUA acaba por ser um trabalho extremamente difícil. O que as personagens do meu livro compreenderiam, como eu compreendo.”

Michael Cunningham, entrevista a José Mário Silva, Atual, Expresso

O romance luminoso de Michael Cunningham começa com uma visão. Estamos em Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali, avista uma luz pálida e translúcida que parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divina. Barrett não acredita em visões – nem em Deus – mas não pode negar o que viu e sentiu.

Ao mesmo tempo, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, músico em busca de inspiração, tenta – sem sucesso – escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva gravemente doente. Tyler está determinado a escrever uma canção que não seja meramente uma balada sentimental, mas uma expressão duradoura de amor.

Cunningham segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca da transcendência. Numa prosa subtil e lúcida, demonstra uma profunda empatia pelas personagens torturadas e uma compreensão singular daquilo que constitui o âmago da alma humana.

A Rainha da Neve, obra bela e comovente, cómica e trágica, vem de novo provar que Michael Cunningham é um dos grandes romancistas da sua geração

A Rainha da Neve, Michael Cunningham, Gradiva, 2014

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