quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Minima Azorica, O Meu Mundo É Deste Reino - Onésimo Teotónio Almeida


Mais do que um lugar "de onde", os Açores foram-me sempre um lugar "onde". Costumo dizer que não emigrei, só alarguei fronteiras, tanto para oriente como para ocidente. Por isso as margens do Atlântico se me aproximaram e fizeram um rio. A ida para Lisboa e, poucos anos depois, para os EUA, fez-me dar conta de um generalizado desconhecimento do meu arquipélago, mesmo de realidades tão simples como a sua geografia. Vicissitudes diversas levaram-me a embrenhar-me no estudo da cultura açoriana e, de modo especial, da sua produção literária. Daí o ter criado um curso na Brown University sobre Literatura Açoriana que é, afinal, um mergulho na cultura dos Açores através da sua literatura – tema também de um simpósio por mim organizado em 1983, cujas actas coordenei em "Da Literatura Açoriana – Subsídios para um balanço" (1986). No mesmo ano publicara "A Questão da Literatura Açoriana – Uma revisitação" e coordenara ainda "The Sea Within – a selection of Azorean Poetry", traduzida por George Monteiro. Em 1989, publiquei "Açores, Açorianos Açorianidade – um espaço cultural" (reeditado em edição alargada em 2011). Também em 2010 saiu "Açores, Europa – uma antologia". No "Seio Desse Amargo Mar" (1991) põe em teatro a questão da identidade açoriana. O presente volume recolhe os principais escritos açorianos em português desde 1989.

Minima Azorica - O meu mundo é deste reino, Onésimo Teotónio Almeida, Companhia das Ilhas, 2014.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Poesia Reanimada de Daniel Gonçalves - Chancela Artes e Letras


Trata-se de uma antologia de Daniel Gonçalves, poemas dos últimos seis anos, numa edição muito íntima e cuidada, que tentou reanimar o essencial das suas palavras. A obra chama-se, precisamente, POESIA REANIMADA (teoria geral do amor).

Vai ter chancela da Livraria SolMar. O livro terá duas versões, uma regular e outra mais do que especial, com tudo quanto um livro merece: capa dura, forrada a tecido, fita, sobrecapa, papel gourmet, enfim, pequenos luxos. A edição especial será reduzida. Saia em Dezembro.

Um livro especial, para uma bonita prenda de Natal.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Convite/Lançamento - Da Europa de Shuman À Não Europa de Merkel de Eduardo Paz Ferreia



Da Europa de Schuman à Não Europa de Merkel”, de Eduardo Paz Ferreira.

"Eduardo Paz Ferreira, “europeu nascido nos Açores” e hoje professor de Direito, foi, então com 23 anos, chefe de gabinete de Medeiros Ferreira, ministro dos negócios... estrangeiros, e nessa qualidade participou nas negociações para a adesão de Portugal à União Europeia. Esse processo é descrito no seu livro recentemente publicado, “Da Europa de Schuman à Não Europa de Merkel” (Lisboa, Quetzal, pg. 85 e seg.). Mas não é só esse registo testemonial que configura a relevância do livro, que vale também pela reflexão aberta sobre a história e as dificuldades da União, a partir do debate económico, social, jurídico e, sobretudo, europeu."

Ler aqui http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2014/10/05/da-europa-de-schuman-a-nao-europa-de-merkel-de-eduardo-paz-ferreira/

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O melhor Romance que Ninguem Leu - Stoner


Romance publicado em 1965, caído no esquecimento. Tal como o seu autor, John Williams – também ele um obscuro professor americano, de uma obscura universidade. Passados quase 50 anos, o mesmo amor à literatura que movia a personagem principal levou a que uma escritora, Anna Gavalda, traduzisse o livro perdido. Outras edições se seguiram, em vários países da Europa. E em 2013, quando os leitores da livraria britânica Waterstones foram chamados a eleger o melhor livro do ano, escolheram uma relíquia. Julian Barnes, Ian McEwan, Bret Easton Ellis, entre muitos outros escritores, juntaram-se ao coro e resgataram a obra, repetindo por outras palavras a síntese do jornalista Bryan Appleyard: "É o melhor romance que ninguém leu".Porque é que um romance tão emocionalmente exigente renasce das cinzas e se torna num espontâneo sucesso comercial nas mais diferentes latitudes? A resposta está no livro. Na era da híper comunicação, Stoner devolve-nos o sentido de intimidade, deixa-nos a sós com aquele homem tristonho, de vida apagada. Fechamos a porta, partilhamos com ele a devoção à literatura, revemo-nos nos seus fracassos; sabendo que todo o desapontamento e solidão são relativos – se tivermos um livro a que nos agarrar.

Stoner, John Williams, Ed. D.Quixote, 2014.

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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A Incrível Viagem do Faquir




Ajatashatru Larash Patel, faquir de profissão, que vive de expedientes e truques de vão de escada, acorda certa manhã decidido a comprar uma nova cama de pregos. Abre o jornal e vê uma promoção aliciante: uma cama de pregos a €99,99 na loja Ikea mais próxima, em Paris. Veste-se para a ocasião - fato de seda brilhante, gravata e o seu melhor turbante - e parte da Índia com destino ao aeroporto Charles de Gaulle. Uma vez chegado ao enorme edifício azul e maravilhado com a sapiência expositiva da megastore sueca, decide passar aí a noite a explorar o espaço. No entanto, um batalhão de funcionários da loja a trabalhar fora de horas obriga-o a esconder-se dentro de um armário, prestes a ser despachado para Inglaterra. Para o faquir, é o começo de uma aventura feita de encontros surreais, perseguições, fugas e aventuras inimagináveis, que o levam numa viagem por toda a Europa e Norte de África.

A incrível viagem do faquir que ficou fechado num armário IKEA é uma aventura rocambolesca e hilariante passada nos quatro cantos da Europa e na Líbia pós-Kadhafi, uma história de amor mais efervescente do que a Coca-Cola, mas também o reflexo de uma terrível realidade: o combate travado por todos os clandestinos, últimos aventureiros do nosso século.
 
Romain Puértolas nasceu em Montpellier, em 1975. Quando era novo, queria ser cabeleireiro-trompetista, mas o destino trocou-lhe as voltas. Oscilando entre a França, a Espanha e a Inglaterra, foi sucessivamente DJ, compositor-intérprete, professor de línguas, tradutor-intérprete, comissário de bordo, mágico, antes de tentar a sua sorte como cortador de mulheres num circo austríaco.
Rapidamente despedido por ter mãos escorregadias, resolve dedicar-se à escrita compulsiva. Autor de 450 romances num ano, ou seja, 1,2328767123 romances por dia, consegue finalmente arrumar os seus próprios livros numa estante Ikea. Infelizmente, despojado de 442,65 dos seus romances por extraterrestres dotados de uma inteligência e um gosto bem acentuados, Romain Puértolas vê-se reduzido a uma estante estilo caixote de pêssegos periclitante e desesperadamente vazia.
A Incrível Viagem do Faquir que Ficou Fechado num armário Ikea, Romain Purértolas, Porto Editora, 2014.
 
 


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Porque Não Existe o Mundo

                                                     A Leitora à Janela, Vermeer


“Esta pintura possui níveis diversos que interagem com a diferença entre a realidade e a ficção ou, em geral, com as diferenças entre o ser e a sua aparência. A luz cai sobre a pintura, proveniente de uma fonte invisível do lado de fora da janela na metade esquerda da cena, o que atrai a nossa atenção. A cena está diante de nós como num palco, com um cortinado verde puxado para trás, o sublinha a estrutura cénica da pintura. A jovem recebeu uma mensagem escrita que está a ler e é muito provavelmente de uma mensagem amorosa que se trata. As faces estão ligeiramente coradas, o que podemos interpretar como manifestação de vergonha. Além disso, o cortinado é da mesma cor do seu vestido, o que pode ser interpretado, com alguma perspicácia psicanalítica, como uma expressão da vontade que tem quem observa a pintura (que somos nós) de a despir com os olhos. Até porque a observamos numa cena íntima. Um outro indício do tom sexual subjacente à pintura está contido na tigela com a fruta, ligeiramente entornada, de onde caiu um pêssego semicómico, encontrando-se a tigela sobre uma cama de roupa revolta. É de notar, além disso, que a jovem não se volta para a fonte de luz mas sim para acarta que tem na mão e que lê com ar ansioso, aparecendo refletida no vidro da janela aberta. Isto pode ser uma referência crítica ao tema pecado. A jovem rejeita a fonte de luz divina e dá importância aos seus desejos mundanos.”
 
A vida, o universo e tudo o resto – é possível que todos nos interroguemos muitas vezes sobre o que significam. E qual é a nossa situação no meio disto tudo? Seremos apenas um monte de partículas elementares num contentor gigantesco à escala mundial? Ou constituirão os nossos pensamentos, os nossos desejos e as nossas esperanças uma realidade própria e, nesse caso, que realidade constituem? Como podemos compreender a nossa existência ou, mesmo, a existência, em geral? E qual é o alcance do nosso conhecimento? Nesta obra desenvolvo o princípio de uma nova filosofia que parte de um simples pressuposto básico: o mundo não existe. Como o leitor verá, isto não significa que nada exista. O nosso planeta existe, tal como existem os meus sonhos, a evolução, os autoclismos, a queda de cabelo, a esperança, as partículas elementares e até mesmo os unicórnios na Lua, só para citar algumas coisas. O princípio de que o mundo não existe significa que tudo isso existe mas de maneira diferente.» Gabriel não é apenas o professor de filosofia mais jovem da Alemanha, mas também um pensador estimulante, que nos propõe respostas originais para as grandes perguntas da humanidade.
 
Porque Não Existe o Mundo, Markus Gabriel, Temas e Debates, 2014.
 
 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Herzog




 «Se estou fora de mim, isso não me importa, pensou Moses Herzog.»

 
Publicado pela primeira vez há exatamente 50 anos e considerado um dos maiores romances de Saul Bellow, Herzog conta a história de Moses Herzog, intelectual de muitos conflitos e de sofrimentos emocionais e filosóficos, mas também homem de grande charme.
A sua existência está a desintegrar-se em todos os domínios. Herzog falhou enquanto escritor, enquanto académico, enquanto pai, enquanto marido e amigo - perdeu a segunda mulher e o melhor amigo, que o traíram um com o outro e agora formam um novo casal.
Apesar de tudo, Herzog vê-se como um sobrevivente e aplica o seu inconformismo e a sua ira na escrita de cartas (que nunca chegará a enviar) para amigos, inimigos, rivais, colegas, pessoas famosas - vivas e mortas -, e em que revela a sua invulgar visão do mundo.
Uma agudíssima observação da vida pública e privada, no mais autobiográfico romance de Saul Bellow.
Herzog, Saul Bellow, Quetzal, 2014.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Os Interessantes



Numa noite de verão de 1974, seis adolescentes planeiam uma amizade para toda a vida.  Jules, Cathy, Jonah, Goodman, Ethan e Ash ensaiam a atitude cool que (esperam) os defina como adultos. Fumam erva, bebem vodka, partilham os seus sonhos. E, juram, serão sempre Os Interessantes. Ao longo da adolescência, o talento artístico destes seis amigos foi sempre satisfeito e encorajado. Mas o tipo de criatividade que é celebrada aos 15 anos nem sempre é suficiente para impulsionar a vida aos 30 – para não falar dos 50. Nem todos vão conseguir manter viva a chama que os distingue na juventude. Décadas mais tarde, a amizade mantém-se embora tudo o resto tenha mudado. Jules, que planeava ser atriz, resignou-se a ser terapeuta. Cathy abandonou a dança. Jonah pôs de lado a guitarra para se dedicar à engenharia mecânica. Goodman desapareceu. Apenas Ethan e Ash se mantiveram fiéis aos seus planos de adolescência. Ethan criou uma série de televisão de sucesso e Ash é uma encenadora aclamada. Não são apenas famosos e bem-sucedidos, têm também dinheiro e influência suficientes para concretizar todos os seus sonhos. Mas qual é o futuro de uma amizade tão profundamente desigual? O que acontece quando uns atingem um extraordinário patamar de sucesso e riqueza, e outros são obrigados a conformar-se com a normalidade?

Entrevista

Uma geração na esquina entre o talento e o dinheiro


No princípio houve a ideia da inveja. A inveja sossegada, silenciosa, de quem amamos. A inveja que é difícil de confessar e, antes disso, de admitir; por oposição à inveja que se grita. Uma inveja sem “qualquer poder autónomo”, “doentia e progressiva”. Colada a essa ideia, surgiu então a ideia de talento e do que se faz com ele. Não num momento, mas ao longo da vida. O que acontece ao talento, “essa coisa fugidia”, que se pode ou não apurar, activar, revelar ou, simplesmente, não ter? “O talento faz-nos suportar a vida”, acredita uma das personagens talentosas. A frase surge agora citada, dita entre aspas pela sua criadora, como se pelo facto de lhe ter atribuído uma autoria, mesmo que ficcional, deixasse de ter propriedade sobre ela. Ri. Haverá de falar dessas vidas fictícias mais à frente na conversa.

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Peregrinação do Rapaz sem Cor




“Tudo se precipitou durante as férias de verão, entre o primeiro semestre e o segundo. Foi a partir dai que, à imagem do que acontece nas vertentes escarpadas de uma montanha, cada qual com o seu tipo de vegetação, a vida de Tsukuru conheceu uma transformação radical”

Nos seus dias de adolescente, Tsukuru Tazaki gostava de ir sentar-se nas estações a ver passar os comboios. Agora, com 36 anos feitos, é engenheiro de profissão e projeta estações, mas nunca perdeu o hábito de ver chegar e partir os comboios. Lá está ele na estação central de Shinjuku, ao que dizem «a mais movimentada do mundo», incapaz de despregar os olhos daquele mar selvagem e turbulento «que nenhum profeta, por mais poderoso, seria capaz de dividir em dois». Leva uma existência pacífica, que talvez peque por ser demasiado solitária, para não dizer insípida, a condizer com a ausência de cor que caracteriza o seu nome. A entrada em cena de Sara, com o vestido verde-hortelã e os seus olhos brilhantes de curiosidade, vem mudar muita coisa na vida de Tsukuru. Acima de tudo, traz a lume uma história trágica, que a memória teima em não esquecer. Os quatro amigos de liceu, donos de personalidades diferentes e nomes coloridos, cortaram relações com eles sem lhe dar qualquer explicação. Profundamente ferido nos seus sentimentos, Tsukuru perdeu o gosto pela vida e esteve a um passo da morte. A páginas tantas, lá conseguiu não perder a carruagem. Com "Os Anos de Peregrinação" de Liszt nos ouvidos, regressa à cidade que o viu nascer e atravessa meio mundo, viajando até à Finlândia, em busca da amizade perdida. E de respostas para as perguntas que andam às voltas na sua cabeça e lhe queimam a língua. Será que o rapaz sem cor vai ser capaz de seguir em frente? Arranjará finalmente coragem para declarar de vez o seu amor por Sara? Uma inesquecível viagem pelo universo fascinante deste escritor japonês que chega a milhões de leitores espalhados pelo mundo inteiro. Um romance marcadamente intimista sobre a amizade, o amor e a solidão dos que ainda não encontraram o seu lugar no mundo

A Peregrinação do Rapaz Sem Cor, Haruki Murakami, Casa Das Letras, 30 setembro, 2014.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Pintassilgo




 
 
 
 
Vencedor do Prémio Pulitzer de Ficção 2014, um dos mais importantes galardões mundiais. "O Pintassilgo" é um livro poderoso sobre amor e perda, sobrevivência e capacidade de nos reinventarmos, uma brilhante odisseia através da América dos nossos dias, onde o suspense e a arte são dois elementos decisivos para agarrar o leitor.  «O Melhor Livro de 2013» segundo a amazon.com«Um dos 10 Melhores Livros de 2013» – The New York Times   Theo Decker, um adolescente de 13 anos, vive em Nova Iorque com a mãe com quem partilha uma relação muito próxima e que é a figura parental única, após a separação dos pais pouco antes do trágico acontecimento que dá início a este romance. Theo sobrevive inexplicavelmente ao acidente em que a mãe morre, no dia em que visitavam o Metropolitan Museum. Abandonado pelo pai, Theo é levado para casa da família de um amigo rico. Mas Theo tem dificuldade em se adaptar à sua nova vida em Park Avenue, e sente a falta da mãe como uma dor intolerável. É neste contexto que uma pequena e misteriosa pintura que ela lhe tinha revelado no dia em que morreu se vai impondo a Theo como uma obsessão. E será essa pintura que finalmente, já adulto, o conduzirá a entrar no submundo do crime. "O Pintassilgo" foi concluído ao fim de 11 anos e pelo seu impacto mundial os produtores de «The Hunger Games» já anunciaram uma adaptação ao cinema. «Uma obra-prima» The Times «Uma obra surpreendente… Se alguém perdeu o gosto pela leitura, irá reencontrá-lo com "O Pintassilgo".» The Guardian «Deslumbrante… Um romance poderoso na linha de Dickens, que reúne os notáveis talentos narrativos de Donna Tartt numa sinfonia arrebatadora, lembrando ao leitor o prazer de ficar acordado durante toda a noite a ler.» The New York Times «O Pintassilgo é um daqueles livros raros que aparecem uma meia dúzia de vezes por década; um magnífico romance literário capaz de tocar tanto o coração como a mente… Donna Tartt criou uma extraordinária obra de ficção.»Stephen King «Um romance de formação, soberbamente escrito, povoado de personagens elegantemente construídas, que segue a estranha ligação de um rapaz a um pequeno quadro famoso. Um livro que estimula a mente e toca o coração.»  
 
Dona Tartt, "O Pintassilgo", Ed.Presença, 2014.


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O GRITO DE MUNCH, revisitação II





O GRITO DE MUNCH, revisitação II
                                                 
                                                       para o Urbano

 
o  problema, meu irmão,
é  que, tanto tempo ido,
continua, entre as mãos, um pano de cicatriz,
esse lugar onde enxugamos a repulsa
antes que o grito seja a pedra da morte.

 
não cabe mais nada na hora do medo
e poucas palavras restam
para  dizer o seu nome.
é  assim que nascem as lágrimas,
é  por isso que a moldura não interessa.



Emanuel Jorge Botelho, Fecho As Cortinas, E Espero, Ed. Averno, 2014.


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Vinte Degraus


                                                                  Fotografia Lee Miller



“A imaginação abria espaços por dentro da pessoa. E corria-se o risco de cair por eles abaixo, como Alice pela toca. A menina, porém, não tinha medo. Sentia-se tão forte no seu corpo, o seu pesado corpo mineral, que entregava à imaginação sem que ela conseguisse abrir-lhe feridas. Agia como dona, essa menina, mesmo no caso de a vertigem a cercar, querendo empurra-la para o desequilíbrio. A menina, que não parava quieta, que experimentava posições para a lição, tinha o segredo da estabilidade. Não precisava de dois pés para nada. Usava-os só para não os desprezar, para que eles não sofressem o abandono. Eram uns pés minúsculos para os quais nem se achavam sapatos. Se precisasse de sair, teria que de os pedir emprestados às bonecas. (...)”

 
Este livro reúne onze contos de Hélia Correia. Alguns têm referências reconhecíveis. «Seroda» é outra história de Mariana Cruz, de Amor de Perdição, e «Captura», «um outro ponto de vista para "A Imitação da Rosa" de Clarice Lispector». «Uma Noite em Luddenden» evoca Branwell Brontë. «Hélder e Djalme» são nomes retirados de pessoas reais. «A Dama Singular» é dedicado a uma escritora portuguesa.

Vinte Degraus e Outros Contos, Hélia Correia, Relógio D´Água, 2014.
 

Imperatriz



“ Apareciam esplendidamente vestidas, com túnicas formais com desenhos de fénix, sapatos bordados a pérolas e pedrarias e penteado em forma de torre de pórtico. Na sala, sentavam-se lado a lado, por detrás de um biombo de seda amarela, através do qual discutiam as questões com conselheiros supremos. (...) “

Cixi, a imperatriz viúva (1835-1908) é a mulher mais importante da História da China. Governou a China durante décadas e trouxe um império medieval até aos tempos modernos. Durante uma seleção para consortes reais levada a cabo em todo o reino, Cixi foi escolhida com dezasseis anos para ser uma das inúmeras concubinas do imperador. Ascendendo de uma das mais baixas categorias de concubinato, após a morte do imperador, Cixi tomou o trono aos regentes que haviam sido nomeados por ele, chamando a si a governação da China.
Cixi reinou através de tempos historicamente conturbados e de grandes crises internas e externas, e transformou profundamente o país, desenvolvendo todos os setores e infraestruturas necessários a um Estado moderno: indústria, caminhos-de-ferro, eletricidade e comunicações. Mas desempenhou também um papel importante em reformas sociais que aboliram, por exemplo, práticas de extrema crueldade, como a morte através dos mil cortes ou a tradição de ligar os pés das mulheres.

A imperatriz Viúva, Jung Chang, Quetzal 2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Nós escrevemos Sós



“A minha obra foi feita na solidão. Foi feita na pobreza. Foi feita sem o menor apoio editorial e quando os editores despertaram para os meus livros, os de Fuentes, os de García Márquez, os de Vargas Llosa, despertaram porque as precárias e difíceis primeiras edições haviam sido bruscamente lidas por uma grande quantidades de pessoas, que as passou de mãos em mãos. E os editores, que não são tontos e que existem para ganhar dinheiro, compreenderam perfeitamente que tinham de editar esses escritores. Eles não nos inventaram. Nós escrevemos sós.”

 Julio Cortázar

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Leituras de Verão


O Chão dos Pardais
Dulce Maria Cardoso

Afonso é um homem muito poderoso. Inatingível. A não ser pelos anos, que passam e o envelhecem quase como a outro qualquer. Há muito que já só encontra a juventude nos corpos das amantes. Como o de Sofia, que o odeia e ama Júlio. Entretanto Alice, a mulher de Afonso, desistiu, nem sabe ela bem de quê. Os filhos cresceram e partiram, sem partir. A filha,Clara, traduz livros inúteis e apaixona-se por Elisaveta. O filho, Manuel, é um cirurgião plástico à espera de ser julgado por negligência e entregue ao amor adiado por uma mulher longínqua com quem se encontra no ecrã do computador. Mas tudo está perfeito na festa dos sessenta anos de Afonso Antes e depois dessa festa, antes e depois da tragédia que a estraga, o romance dá conta das forças que atiram umas personagens contra outras. Seja para se amarem ou para se odiarem. E, vertical, por entre todas as forças, a força da gravidade que estatela no chão os corpos que caem. Mesmo assim, parece simples ser feliz.

 
A Rainha da Neve
Michael Cunningham

O romance luminoso de Michael Cunningham começa com uma visão. Estamos em Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali, avista uma luz pálida e translúcida que parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divina. Barrett não acredita em visões – nem em Deus – mas não pode negar o que viu e sentiu. Ao mesmo tempo, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, músico em busca de inspiração, tenta – sem sucesso – escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva gravemente doente. Tyler está determinado a escrever uma canção que não seja meramente uma balada sentimental, mas uma expressão duradoura de amor. Cunningham segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca da transcendência. Numa prosa subtil e lúcida, demonstra uma profunda empatia pelas personagens torturadas e uma compreensão singular daquilo que constitui o âmago da alma humana. A Rainha da Neve, obra bela e comovente, cómica e trágica, vem de novo provar que Michael Cunningham é um dos grandes romancistas da sua geração.

 
O Tempo Morto é um Bom Lugar
Manuel Jorge Marmelo

Galardoado recentemente com o Prémio Correntes d’ Escritas/Casino da Póvoa 2014, pelo romance "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", M.J. Marmelo lança um extraordinário romance em que temas fundamentais do nosso tempo são tratados com a mais apurada mestria literária. Depois de acordar ao lado do cadáver de Soraya – a mestiça belíssima, estrela televisiva, com quem mantinha uma relação íntima a pretexto de lhe escrever a autobiografia –, o jornalista desempregado Herculano Vermelho entrega-se à polícia e é preso. Não tem memória de nada, nem de que possa ter sido ele a matar a jovem mulher, mas a prisão parece-lhe ser o lugar ideal, o espaço de sossego e de liberdade (sem contas para pagar, sem apresentações regulares no centro de emprego, sem pressões de qualquer espécie), para passar a sua vida em revista, a relação com as mulheres, e escrever a autobiografia da rapariga morta.

 
Contos Maravilhosos
Hermann Hesse

Poucos leitores parecem estar cientes de que Hermann Hesse, o autor de romances épicos como "O Lobo das Estepes" ou "Siddharta", também escreveu magníficos textos de prosa poética. Esta coletânea reúne os contos mais emblemáticos da obra do autor, e nela se inclui "Os Dois Irmãos" ("Die Beiden Brüder"), o seu primeiro trabalho em prosa, escrito quando Hesse tinha apenas dez anos, que é exemplo disso: imbuído de alguns dos imaginários e sentimentos típicos dos romances de Hesse, mas escrito com uma clareza e ressonância próprias, um sentimento de saudade para o amor e para a casa, é, simultaneamente, extremamente simples e profundamente poético. São pequenas histórias, em linguagem simples mas plenas de simbolismo e referências filosóficas que remetem para um mundo além da efabulação. A experiência como elemento unificador do homem e do universo, a busca de harmonia e unidade do indivíduo no seu confronto com o mundo são temas que perpassam estes contos onde habitam a fantasia e a visão mágica dos seres e da Natureza num registo poético singular.

 
O Ilustre Colegial
John le Carré 

A toupeira foi eliminada, mas a devastação que deixou na sua esteira depauperou gravemente os serviços secretos britânicos. Investido da chefia do Circus, numa altura em que a organização se encontra altamente comprometida, George Smiley lança-se numa campanha que visa pôr a descoberto aquilo que o Centro de Moscovo mais deseja ocultar, obstinando-se em reunir provas de que Karla prepara uma grande operação no Extremo Oriente. Talvez por aí se pudesse iniciar a reconstrução do Circus. Mas, para isso, são necessários agentes livres de qualquer suspeita, indivíduos que a toupeira não tenha detetado ou conhecido. E Smiley acredita ter encontrado o homem certo: um aristocrata tão digno e frustrado como a própria Grã-Bretanha; um ilustre colegial cuja respeitabilidade poderá ser arruinada por uma contraoperação que se revela pouco ética, como todas as operações de espionagem, mas na qual reside a grande oportunidade de o Circus renascer das cinzas. Brilhantemente urdido e moralmente complexo, "O Ilustre Colegial" não só constitui um fascinante retrato da espionagem pós-colonial como nos revela um mundo dilacerado pela guerra onde as fidelidades – e as vidas – são objeto de compra e venda.

 
A Ilha
Aldous Huxley

O derradeiro romance de Aldous Huxley, e contraponto utópico de "Admirável Mundo Novo", apresenta-nos Pala, uma ilha onde uma sociedade ideal, regida por crenças assentes no budismo e no hinduísmo, floresce há cento e vinte anos, atraindo inevitavelmente a inveja do mundo circundante. Está em curso uma conspiração para invadir Pala, rica em petróleo, e os acontecimentos precipitam-se quando Will Farnaby, inicialmente um agente dos conspiradores, chega à ilha. É provavelmente o livro mais desencantado de Huxley, e inscreve-se nele a firme convicção de que, entre a ganância e a avidez dos homens, comunidades pacíficas como Pala estão condenadas. Publicada em 1962, A Ilha é um espelho que permite ao homem moderno ver tudo o que está podre na sociedade e em si próprio.

 
As Armas Secretas
Julio Cortázar

Os contos que compõem As armas secretas, considerados obras-primas no género, constituem importantes marcos na escrita de Julio Cortázar. Nestes, a realidade labiríntica e obsessiva em que vive o homem contemporâneo é descrita de forma fantástica e, por vezes, alucinante, num estilo único que explora as zonas de fronteira da própria literatura. Volume que inclui, entre outros, os célebres contos As babas do diabo, adaptado ao cinema por Michelangelo Antonioni no filme "Blow-up - História de um Fotografo" e "O Perseguidor", sobre os derradeiros dias do músico de jazz Charlie Parker.

 
Ressurgir
Margaret Atwood

"Ressurgir" é o segundo romance de Margaret Atwood e nele são já visíveis os traços essenciais da sua ficção. Uma jovem mulher viaja até à remota ilha da sua infância, com o companheiro e um casal amigo, para investigar o misterioso desaparecimento do seu pai. Após a chegada à ilha, antigos segredos afloram à superfície do lago que os rodeia, com objetos nele afundados. Imersa nas suas memórias, a narradora compreende que regressar a casa é não apenas voltar a outro lugar, mas também a outro tempo. E depois de descobrir uma caverna submersa com pinturas rupestres, imagina-se em fusão anímica com a natureza. "Ressurgir" é um romance preocupado com as fronteiras da língua, da identidade nacional, da família, do sexo e dos corpos, tendo como pano de fundo um Canadá rural, transformado pelo comércio, a construção, o turismo e a engrenagem dos média.

 
Diários
George Orwell

Os diários de George Orwell (1931-1949) dão a conhecer a vida do escritor que marcou o pensamento político do século XX. Escritos ao longo da sua carreira, os onze diários que sobreviveram – sabe-se que haverá outros dois da sua permanência em Espanha guardados nos arquivos da NKVD em Moscovo – registam as suas viagens de juventude entre os mineiros e os trabalhadores migrantes, a ascensão dos regimes totalitários, o horrível drama da Segunda Guerra Mundial, bem como os acontecimentos que inspiraram as suas obras-primas: " A Quinta dos Animais" e "1984". As entradas de carácter pessoal reportam um dia-a-dia muitas vezes precário, a trágica morte da sua primeira mulher, e o declínio de Orwell, vítima de tuberculose.

 
Histórias de Roma
Enric González

Talvez Roma seja apelidada de Cidade Eterna porque o tempo a atravessa com lentidão. Caótica e simultaneamente melancólica, acumula um cepticismo de séculos, mas mantém a luminosa vivacidade do Mediterrâneo. O catalão Enric González viveu em muitas cidades ao longo da sua vida enquanto correspondente do El País, mas escreveu apenas sobre algumas, e escreveu sempre a uma distância temporal confortável, que lhe permitisse recolher as memórias e experiências que de facto importam. Este livro não é um guia turístico nem uma antologia de lugares – é um percurso pessoal por uma Roma fascinante, às vezes secreta. Nas suas páginas, o leitor encontrará uma sucessão de histórias, personagens, momentos e cenários romanos: gatos, pinturas de Caravaggio, a casa e o túmulo de Keats, a melhor pizaria da cidade, o lugar onde se toma o melhor café do mundo, burocracia, a história de um marquês perverso, voyeur, assassino e suicida, o périplo de um pacote que corre meio mundo e regressa a Roma devido à incompetência dos Correios, papas, Berlusconi, uma igreja onde ninguém se quer casar, os códigos romanos de cortesia, futebol, conspirações maçónicas, barbearias, palácios, virgens, santos e milagres.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Nada Dizer Fechar os Olhos


                                                                                      Franz Kafka
 
No fundo ou em última instância-, para se ver bem uma foto, o melhor é erguer a cabeça ou fechar os olhos. «A condição prévia da imagem é a vista», dizia Janousch a Kafka. E kafka sorria e respondia: «As pessoas fotografam coisas para as afastar do espírito. As minhas histórias são um modo de fechar os olhos.» A fotografia deve ser silenciosa (há fotos tonitruantes, dessas não gosto): não se trata de uma questão de «descrição», mas de música. A subjectividade absoluta só é atingida num estado, um esforço de silêncio (fechar os olhos é fazer falar a imagem no silêncio). A foto toca-me quando a retiro do seu «bla-bla» vulgar: Técnica, Realidade, Reportagem, Arte, etc., nada dizer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba sozinho à consciência afectiva.
 
Roland Barthes, A câmara clara



terça-feira, 19 de agosto de 2014

Os Rostos da Escrita




Quando, aos dezoito anos, retratei pela vez um escritor, Jorge Luís Borges, não podia sequer imaginar a aventura que se abria no meu caminho de fotógrafo. Fui o primeiro a surpreender-me ao descobrir, muitos anos depois, que a magia dessa fotografia dependia do halo de luz que parecia voltear em torno de uma mão anónima. Mais tarde teria tempo de confirmar que cada foto é um salto para o desconhecido, em que factores imprevisíveis modelam e matizam uma identidade.
Ao sair da Argentina, partilhei viagens e atribulações com amigos escritores e percebi, entre outras coisas, que também o seu trabalho oscila entre o que queriam dizer e o que as palavras lhes permitem.
O meu encontro com Luis Sepúlveda (e depois dele com tantos escritores) confirmou a intuição de que a minha vida teria a ver com duas margens do Atlântico. Além disso, Sepúlveda, com o seu talento para fazer de cada pessoa e de cada história uma experiência fundamental e irrepetível, deixou-me perceber que era isso também que eu pretendia: que cada foto fosse um momento único e que nesse momento coubesse, por inteiro, o próprio rosto da escrita.

Daniel Mordzinski, Os Rostos da Escrita                                                 



segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O Tempo Morto É Um Bom Lugar




«O Tempo Morto é um Bom Lugar – título paradoxal – , último romance de Manuel Jorge Marmelo, escritor distinguido com o Prémio Literário Correntes d’Escritas 2013, que, de certo modo, consagrou a sua obra como uma das mais importantes do universo romanesco português dos últimos vinte anos. […]
À componente realista, os últimos romances de Manuel Jorge Marmelo acrescentam a vertente de crítica e denúncia sociais, um pouco ao modo de Rui Zink. Neste sentido, atacando os atuais padrões culturais e políticos da sociedade portuguesa, os seus romances não são eticamente neutros nem culturalmente asséticos. Pelo contrário, não se tornando uma arma política, intentam, por via da sátira, da ironia, despertar a consciência crítica do leitor face à existência de uma sociedade profundamente desigual e injusta. Destinam-se, portanto, a contaminar a consciência do leitor do sentimento de revolta e, se possível, de sedição.»
 Miguel Real, Jornal de Letras
 
 
Galardoado recentemente com o Prémio Correntes d’ Escritas/Casino da Póvoa 2014, pelo romance Uma Mentira Mil Vezes Repetida, M.J. Marmelo lança um extraordinário romance em que temas fundamentais do nosso tempo são tratados com a mais apurada mestria literária.
Depois de acordar ao lado do cadáver de Soraya - a mestiça belíssima, estrela televisiva, com quem mantinha uma relação íntima a pretexto de lhe escrever a autobiografia -, o jornalista desempregado Herculano Vermelho entrega-se à polícia e é preso. Não tem memória de nada, nem de que possa ter sido ele a matar a jovem mulher, mas a prisão parece-lhe ser o lugar ideal, o espaço de sossego e de liberdade (sem contas para pagar, sem apresentações regulares no centro de emprego, sem pressões de qualquer espécie), para passar a sua vida em revista, a relação com as mulheres, e escrever a autobiografia da rapariga morta.
 
O Tempo Morto É Um Bom Lugar, Manuel Jorge Marmelo, Quetzal, 2014.
 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

de pé

 
Fotografia Bruce Davidson
 
 
"Não haver alternativa senão ficar de pé."

 Samuel Beckett


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Lá Fora




"Lá fora", o guia para descobrir a natureza, editado pelo Planeta Tangerina:

 lá fora: nuvens e estrelas, árvores e flores, rochas e praias, aves, répteis ou mamíferos.
Se estivermos atentos, a natureza pode estar bem próxima, pronta a espantar-nos com a sua beleza e com todas as perguntas que nos leva a fazer.
O que esperamos então?
Saltemos do sofá e iniciemos a exploração!

 
Criado com a colaboração de uma equipa de especialistas portugueses, este livro pretende despertar a curiosidade sobre a fauna, a flora e outros aspetos do mundo natural que podem ser observados em Portugal. Inclui também propostas de atividades e muitas ilustrações, para ajudar toda a família a ganhar balanço, sair de casa e descobrir – ou simplesmente contemplar – todo o mundo incrível que existe "Lá fora".

 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Porquê ir?




Verdadeiro thriller político, com a medina de Fez em pano do fundo e os tempos explosivos do movimento nacionalista marroquino. Embora todos os romances de Paul Bowles espelhem o encontro e o conflito entre civilizações, neste, muito menos subjetivo, a aguda clivagem entre a cultura árabe e a do colonizador francês é profundamente explorada, com grande detalhe e intensidade. A forte tenção política e social que enquadra a intriga - protagonizada por um americano comunista, um rapazinho analfabeto e uma atraente mulher ocidental -, o ambiente de conspiração nacionalista e a infinidade de matizes, que restituem a milenar cidade de Fez à sua complexidade e vida, tornam A Casa da Aranha num marco na obra de Paul Bowles.
A Casa da Aranha, Paul Bowles, Quetzal, 2014.

«Porquê ir? A resposta é que num quando um homem já lá esteve e sofreu o batismo da solidão não consegue evitá-lo. Caso alguma vez tenha estado sob o feitiço do vasto, luminoso e silencioso território, nenhum outro lugar é suficientemente forte para ele, nenhumas outras cercanias conseguem propiciar a supremamente satisfatória sensação de existir no meio de algo que é absoluto. Ele voltará lá, sejam quais forem os custos em conforto e em dinheiro, porque o absoluto não tem preço.»

Entre a imensa e majestosa solidão do Saara e a tranquilidade doméstica da sua ilha tropical no Ceilão - propriedade extravagante e selvagem que manteve durante alguns anos na costa de Weligama -, Paul Bowles percorreu incessantemente os caminhos do globo terrestre. Uma curiosidade inesgotável por todas as paisagens humanas e a atração por dois tipos antitéticos de paisagem geográfica, o deserto e a floresta tropical, alimentaram um fluxo constante de viagens, em que Bowles alternou a deslocação com a permanência em todos esses lugares que quis conhecer e onde escolheu viver por períodos maiores ou menores. Paul Bowles é um dos grandes viajantes eruditos do século XX e o seu legado - musical e literário - sedimenta, em toda a sua originalidade, sofisticação e versatilidade, o património cultural universal.
Viagem, livro inédito e o primeiro de uma série que a Quetzal dedica a Paul Bowles, reúne relatos das suas aventurosas deambulações pela Europa, África, América Central e Ásia.
Viagens, Paul Bowles, Quetzal, 2013.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A Rainha da Neve




“Escolhi de facto abrir o romance mesmo antes de o povo americano (por uma pequena e duvidosa maioria, mas ainda assim) reeleger o homem que, durante o seu primeiro mandato, destruíra a economia e declarara guerra ao país errado, e depois pus o livro a acabar quatro anos mais tarde, quando o povo americano elegeu um afro-americano de óbvia inteligência e força moral na verdade, o oposto absoluto de G.W. Bush. Suspeito que as personagens teriam sentimentos contraditórios quando aos seis anos de Obama na presidência. Ele fez coisas inequivocamente boas. Contribuiu para avanços essenciais nos direitos dos homossexuais, das mulheres, das populações negras. Ele avançou (mesmo se com resultados ainda não muito sólidos) co um programa nacional de cuidados de saúde. Por outro lado, a prisão de Guantánamo continua a funcionar. Há dornes a aniquilar festas de casamento no Paquistão. A National Security Administration foi apanhada a espiar cidadãos americanos. Mas também é verdade que ele encontrou obstáculos absurdos por parte do Senado, muitas vezes sem outra razão que não seja a de desgastar, por pura maldade, a fé dos americanos em Obama. Ou seja, ser Presidente dos EUA acaba por ser um trabalho extremamente difícil. O que as personagens do meu livro compreenderiam, como eu compreendo.”

Michael Cunningham, entrevista a José Mário Silva, Atual, Expresso

O romance luminoso de Michael Cunningham começa com uma visão. Estamos em Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali, avista uma luz pálida e translúcida que parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divina. Barrett não acredita em visões – nem em Deus – mas não pode negar o que viu e sentiu.

Ao mesmo tempo, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, músico em busca de inspiração, tenta – sem sucesso – escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva gravemente doente. Tyler está determinado a escrever uma canção que não seja meramente uma balada sentimental, mas uma expressão duradoura de amor.

Cunningham segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca da transcendência. Numa prosa subtil e lúcida, demonstra uma profunda empatia pelas personagens torturadas e uma compreensão singular daquilo que constitui o âmago da alma humana.

A Rainha da Neve, obra bela e comovente, cómica e trágica, vem de novo provar que Michael Cunningham é um dos grandes romancistas da sua geração

A Rainha da Neve, Michael Cunningham, Gradiva, 2014

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Chet Baker Pensa Na Sua Arte




É meia-noite, em fundo toca Bela Lugosi’s Dead, do grupo Nouvelle Vague, e nem sequer a música me impede de pensar nessa realidade «bárbara, brutal, muda, sem significado, das coisas» de que falava Ortega. Olho pela janela e vejo a vida inerte, e parece-me que esse tipo de realidade bárbara e muda é especialmente percebida hoje por quem - como já Musil pensava - acha que no mundo não existe já a simplicidade inerente à ordem narrativa, essa ordem simples que consiste em poder dizer às vezes: «Depois de aquilo ter acontecido aconteceu isto, e depois aconteceu outra coisa, etecetera».
Tranquiliza-nos a simples sequência, a ilusória sucessão de factos.

Chet Baker Pensa Na Sua Arte, Enrique Vila-Matas, Teodolito 2013.


As Armas Secretas - 2014 - centenário do nascimento de Julio Cortázar


"Entre as muitas formas de combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias, actividade que devia ser ensinada, desde cedo, às crianças, pois exige disciplina, educação estética, bom olho e dedos firmes."

Os contos que compõem As armas secretas, considerados obras-primas no género, constituem importantes marcos na escrita de Julio Cortázar. Nestes, a realidade labiríntica e obsessiva em que vive o homem contemporâneo é descrita de forma fantástica e, por vezes, alucinante, num estilo único que explora as zonas de fronteira da própria literatura.

Volume que inclui, entre outros, os célebres contos As babas do diabo, adaptado ao cinema por Michelangelo Antonioni no filme Blow-up - história de um fotografo e O perseguidor, sobre os derradeiros dias do músico de jazz Charlie Parker


As Armas Secretas, Julio Cortázar, Cavalo de Ferro 2014

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O Homem Mais Procurado


O Homem Mais Procurado" adapta ao grande ecrã a aclamada obra de John le Carré que, por sua vez, se inspira na história verídica de Murat Kurnaz. Cidadão turco e residente legal na Alemanha, foi capturado pelas autoridades norte-americanas – com conhecimento do Governo germânico – e levado para a base militar de Kandahar, no Afeganistão, seguindo posteriormente para a prisão de Guantánamo (na base naval norte-americana em Cuba). Durante o processo, ficou provado que Kurnaz esteve preso durante cinco anos sob nenhuma acusação legal. A sua libertação, em Agosto de 2006, aconteceu depois de um escândalo internacional. Aqui

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

George Smiley, o vintage de Le Carré


 
 
Eu e o público sabemos
O que na escola toda a criança aprende:
Aqueles a quem se faz mal
Fazendo o mal retribuem
 W.H. ADEN
 
 
A toupeira foi eliminada, mas a devastação que deixou na sua esteira depauperou gravemente os serviços secretos britânicos. Investido da chefia do Circus, numa altura em que a organização se encontra altamente comprometida, George Smiley lança-se numa campanha que visa pôr a descoberto aquilo que o Centro de Moscovo mais deseja ocultar, obstinando-se em reunir provas de que Karla prepara uma grande operação no Extremo Oriente. Talvez por aí se pudesse iniciar a reconstrução do Circus. Mas, para isso, são necessários agentes livres de qualquer suspeita, indivíduos que a toupeira não tenha detetado ou conhecido. E Smiley acredita ter encontrado o homem certo: um aristocrata tão digno e frustrado como a própria Grã- Bretanha; um ilustre colegial cuja respeitabilidade poderá ser arruinada por uma contraoperação que se revela pouco ética, como todas as operações de espionagem, mas na qual reside a grande oportunidade de o Circus renascer das cinzas.

Brilhantemente urdido e moralmente complexo, O Ilustre Colegial não só constitui um fascinante retrato da espionagem pós-colonial como nos revela um mundo dilacerado pela guerra onde as fidelidades - e as vidas - são objeto de compra e venda.
 
 O Ilustre Colegial, John Le Carré, Dom. Quixote, 2014.
 
 


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Olhos Azuis Cabelos Preto



«É a história de um amor, o maior e mais terrível sobre que me foi dado escrever. Eu sei-o. Qualquer um pode ficar a sabê-lo por si.
Trata-se de um amor que não é nomeado nos romances e que também não é nomeado por aqueles que o vivem. De um sentimento que de certo modo não tem ainda o seu vocabulário, os seus hábitos e rituais. Trata-se de um amor perdido. Perdido como perdição.
Leiam o livro, leiam-no mesmo que de início o detestem. Já nada temos a perder, nem eu dos leitores, nem os leitores de mim. Leiam tudo. Leiam todas as distâncias que vos são indicadas, as dos corredores que rodeiam a história e a acalmam e nos concedem o tempo de os percorrer. Continuem a ler e de súbito terão atravessado a história, os seus risos, a sua agonia, os seus desertos.

Sinceramente vossa.

Duras»

Olhos Azuis Cabelos Pretos, Marguerite Duras, Relógio D'Água, 2014.


segunda-feira, 28 de julho de 2014

George Orwell Diários



A 28.7.39
Assuntos Sociais
Pelos vistos, o governo está a considerar subir a pensão de velhice, sem dúvida a pensar nas eleições gerais.

George Orwell, Diários, D. Quixote, 2014.

Os diários de George Orwell (1931-1949) dão a conhecer a vida do escritor que marcou o pensamento político do século XX.
Escritos ao longo da sua carreira, os onze diários que sobreviveram - sabe-se que haverá outros dois da sua permanência em Espanha guardados nos arquivos da NKVD em Moscovo - registam as suas viagens de juventude entre os mineiros e os trabalhadores migrantes, a ascensão dos regimes totalitários, o horrível drama da Segunda Guerra Mundial, bem como os acontecimentos que inspiraram as suas obras-primas: O Triunfo dos Porcos / A Quinta dos Animais e 1984.
As entradas de carácter pessoal reportam um dia-a-dia muitas vezes precário, a trágica morte da sua primeira mulher, e o declínio de Orwell, vítima de tuberculose.

 



terça-feira, 10 de junho de 2014

A Morte Sem Mestre



«A Morte sem Mestre» é o mais recente livro de poesia de Herberto Helder. Escrito em 2013 e integralmente inédito, «Tudo quanto neste livro possa parecer acidental é de facto intencional» - «[...] peço por isso que um qualquer erro de ortografia ou sentido / seja um grão de sal aberto na boca do bom leitor impuro.», escreve-nos o autor.
Herberto Helder tem por hábito encadernar os seus livros com papel de embrulho castanho, escrevendo por fora com caneta de feltro vermelha o título e o nome do autor. A sobrecapa da presente edição evoca esse hábito, reproduzindo a sua caligrafia. É ainda incluído um CD, com cinco poemas lidos por Herberto.

A Morte sem Mestre de Herberto Helder, Porto Editora, 2014.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Desigualdades no Sistema Educativo




Lançamento na Livraria Solmar no próximo dia 2 Maio, pelas 18h00, " Desigualdades no Sistema Educativo", organizado por Ana Matias Diogo e Fernando Diogo.
O livro será apresentado pela Doutora Gilberta Rocha e Dra. Carmo Rodeia.


Nas últimas décadas o sistema educativo português foi palco de uma extraordinária evolução quantitativa, abrindo-se sucessivamente a novos grupos sociais e a faixas etárias mais alargadas. Esta evolução não se traduziu, contudo, numa redução significativa das diferentes formas de desigualdades sociais face à escola. Persistem elevados índices de insucesso e de abandono, particularmente concentrados em determinados momentos do percurso escolar, grupos sociais, regiões e escolas, registando-se, por outro lado, uma multiplicidade de trajetórias que condensam escolhas muito desiguais, no quadro de uma oferta de ensino crescentemente complexa.

 As comparações internacionais têm concorrido para consolidar a ideia de que as desigualdades educativas constituem um problema central e estrutural da realidade portuguesa, que urge melhor compreender de modo a sustentar políticas e intervenções neste domínio. Este fenómeno comporta, além disso, uma elevada complexidade, quer pela sua natureza multifatorial, quer porque se transfigura continuamente no tempo, sendo reconhecida, pelos especialistas, a necessidade de continuar a consolidar conhecimento neste domínio. O presente livro reúne um conjunto de textos, de vários autores, que dão a conhecer resultados de investigação e refletem sobre esta temática, a partir de uma diversidade de dimensões e perspetivas.
 
Desigualdades no Sistema Educativo, Ana Matias Diogo e Fernando Diogo, Editora Mundos Sociais.


domingo, 27 de abril de 2014

lamento para a língua portuguesa

                                                   Vasco Graça Moura 1942 - 2014


não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"