sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Socialismo de Antero de Quental

                                                       Fotografia de André Kertész


“Em face das misérias de um século, e das lutas travadas na consciência do homem, o novo ideal artístico, «a sua lei suprema», não podia ser senão «consolar, moralizar, apontar o belo espiritual, a esperança e a crença». A arte e a literatura adquiriam, pois, pela Revolução um fim eminentemente social e civilizador. Não que elas suprimissem «as dores» e as angústias da sociedade. Isso caberia à «ciência e à democracia»; mas «adormentariam o sentimento acerbo das suas inenarráveis misérias».
Deviam tentar-se, porém, a regeneração dos costumes pela arte. A literatura, «porque se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação, e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opiniões, combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há-de receber esse misterioso filho do tempo – o futuro».”

Antero de Quental, Prosas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Comércio e a Cultura

 

" A actividade social chamada comércio, por mal vista que esteja hoje pelos teoristas das sociedades impossíveis, é contudo um dos dois característicos distintivos das sociedades chamadas civilizadas. O outro característico distintivo é o que se denomina cultura. Entre o comércio e a cultura houve sempre uma relação íntima, ainda não bem explicada, mas observada por muitos. É, com efeito, notável que as sociedades que mais proeminentemente se destacaram na criação de valores culturais são as que mais proeminentemente se destacaram no exercício assíduo do comércio."

Fernando Pessoa, "A Essência do Comércio".

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Leiam com Paixão.




Como ler sobre a paixão sem cair na lamechice, e afogar-se na enxurrada de adjectivos e substantivos em erosão. A literatura é como uma veia ou artéria, uma das ruas de sangue que alimentam o coração dos homens. Com Romeu e Julieta, os dois amantes condenados ao equívoco amoroso, Shakespeare, assentou definitivamente o tema, instituindo um modelo universal. O nosso Camilo, homem de paixões reais, escreveu com mão de mestre, Amor de Perdição, a paixão assolapada de Simão e Teresa e a tragédia das famílias rivais Botelho e Albuquerque. Eça com os seus Maias (Os), definiu a excelência da paixão funesta da literatura nacional. Tristão e Isolda, o amor adúltero do cavalheiro pela princesa, a velha lenda celta deste casal infeliz foram apropriadas por Wagner, a música inspirada na literatura, inesquecível. A Canção de Amor de Alfred J. Prufrock de T.S.Eliot, um dos poemas de pelos quais vale a pena chorar, no entanto a poesia é parcelar e não conta histórias, as pessoas tanto como amam as paixões, amam sobretudo as histórias de paixões. O amante rejeitado, romantismo puro é Jay Gatsby, em o O Grande Gatsby, a vida como uma série ininterrupta de gestos bem-sucedidos, amores, renúncias, enganos, Swann que ama Odette que o não percebe, prosa perfeita de Marcel Proust com Um Amor de Swann, paixão inexplicável a de Archer que ama a condessa Ellen Olenski que o não recebe, A Idade da Inocência, de Edith Wharton, desencontro constante. Madame Bovary de Flaubert e Ana Karenina de Tolstoi, dois monumentos à tontice das mulheres apaixonadas pelo homem errado, o canalha. Tão violento que nenhum homem o conseguiria escrever assim, O Monte dos Vendavais, de Emily Brontê, talvez o relato mais destruidor, se não leram pelo menos um livro de paixões, leiam este, e da sua irmã Charlotte, Jane Eyre faz com que a familia tenha produzido duas obras-primas. Nabokov conseguiu escrever Lolita, leiam por amor de quem quiseram, e ao de leve Milan Kundera com A Insustentável Leveza do Ser, com final feliz e personagens que chegam a velhas, leiam O Amor nos Tempos de Cólera. E se ainda tiveram folego leiam A Mancha Humana de Phlip Roth e de Ian Mcewan a Expiação.
Se me perguntarem o que fica de fora, fica muita e boa literatura.