terça-feira, 29 de março de 2011

No Centro

«Ouve-se Downtown Train, canção de Tom Waits. Não entende o inglês, mas parece-lhe que a letra fala de um comboio que vai para o centro da cidade, de um comboio que leva os seus passageiros para fora do distante bairro onde cresceram e no qual levavam toda a vida encurralados. O comboio vai para o centro. Da cidade. É possível que vá para o centro do mundo. Para Nova Iorque. É o comboio do centro. Não pode sequer imaginar que aquela canção não fale de nenhum centro. Acreditando que aquele tema de Tom Waits fala disto, nunca se cansou de ouvi-la. Para ele, a voz de Waits tem a poesia do comboio suburbano que une o bairro da sua infância a Nova Iorque. Sempre que escuta a canção, pensa em antigas viagens, em tudo o que teve de deixar para se dedicar à edição. Agora, quanto mais velho se sente, recorda a sua antiga determinação, a sua inicial inquietação literária, a sua dedicação sem limites durante anos ao perigoso negócio da edição, um negócio tantas vezes ruinoso. Renunciou à juventude para procurar a obra honesta de um catálogo imperfeito. E o que sucede agora quando tudo terminou? Resta-lhe uma grande perplexidade e a carteira vazia. Um sentimento de para quê. Um pesar tosco durante as noites mas ninguém lhe tira que teve um empenho e que o levou longe. E isso é muito sério. No final, como dizia W.B. Yeats, tenha-se ou não sorte, a determinação deixa sempre marca.»
Enrique Vila-Matas, Dublinesca.


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